segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

Governo Lula e a Reinvenção do Nordeste

Governo Lula e a Reinvenção do Nordeste, por Túlio Muniz

Jamais um Governo assumiu com tanta diversidade regional, racial e de gênero, pelo que também será combatido como nunca.

Governo Lula e a Reinvenção do Nordeste, por Túlio Muniz

Jamais um Governo assumiu com tanta diversidade regional, racial e de gênero, pelo que também será combatido como nunca.

Foto Oficial

Governo Lula e a Reinvenção do Nordeste.

por Túlio Muniz

O início do novo Governo Lula é, ainda que subliminarmente, marcado também pelo combate ao racismo que boa parte da população brasileira do Sul-Sudeste e Centro Oeste tem para com Nordestinos. Mais uma vez isso ficou patente logo após a vitória de Lula em 2022, com manifestações abertas de racismo em redes sociais, ruas, ambientes públicos e privados.

Sim, é racismo o que vimos, lembrando que a prática não se limita à cor da pele, embora seja esta a que mais incide sobre cerca de 55% da população afro-desdendente e sustenta o “racismo estrutural”. Este, historicamente, alija ou ao menos dificulta o acesso da maioria da população aos equipamentos públicos e instâncias decisórias, segrega ganhos de renda, acesso a terra e à moradia, entre outros. Pois racismo também denota “uma atitude depreciativa e discriminatória não baseada em critérios científicos em relação a algum grupo social ou étnico”, concepção endossada pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas – CONAQ .

 Durval Muniz, em seu clássico “A invenção do Nordeste”. livro que deriva de sua tese de doutorado na Unicamp, de 1994), demonstra que até a criação do Banco do Nordeste (BN, 1952, sob Vargas) e da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE (1959, sob Juscelino), o “Nordeste” não exisitia em termos de geo-política e socialmente, compondo um grande “Norte”. Daí, talvez, a caracterização jocoza e discriminatória de “Nortista” que os brasileiros ao Sul dão aos nordestinos ainda nos dias de hoje.

O roteiro proposto por Durval Muniz nos leva a entender que, see organismos como a SUDENE e o BN vão impulsionar o desenvolvimento econômico regional, também concentrarão renda em poucas mãos (pelo menos até os anos de 1990), impelindo para o Sul um imenso contigente de migrantes (os ‘retirante’), muitos ocupando postos de trabalho nas lavouras de cana de açucar (os bóias frias) de Minas e SP, ou postos na construção civil que edificaram as partes modernas de muitas da grande cidades ao Sul, inclusive Brasília.

Para explorar tal mão de obra barata, foi necessário ‘criar’ um tipo social ‘inferior’. E eis que o “Nortista” é alçado a condição de “Nordestino”, herdeiro das supostas incompletitudes do “Hércules Quasímodo de “Os Sertões”, apontado por um Euclides da Cunha incapaz de atribuir postividade à bravura dos que combateram o Exército em Canudos.

O tipo “retirante”, oriundo da migração interna, somente desapareceu com a ascensão de Lula ao poder em 2003 e com a criação do Bolsa Família, que proporcionou condições de a população nordestina se manter fixa em seus lugares de origem, vivendo com o mínimo de dignidade. Não é à toa que o Bolsa Família foi duramente combatido e somente assimilado pela direita e pela extrema direita por seu potencial eleitoral. Com a volta de Lula reascende também a repulsa e a incompreensão  que muitos dos brasileiros do Sul têm para com a potência nordestina.

 De fato, Lula incorpora  como ninguém a potência, a força e a resistência nordestina, o que explica tamanho ódio e frustração recalcada emanados por opositores seus. O que não o leva a abrir mão de compor um Ministério e um quadro de lideranças do Governo no Congresso com representação de todo o país, mas também  repletos de nordestinos e nordestinas: Margareth Menezes (Cultura), Luciana Santos (Ciência e Tecnologia), Rui Costa (Casa Civil), Camilo Santana(Educação), Flavio Dino (Justiça), José Guimarães (líder na Câmara), Jacques Wagner (líder no Senado,  carioca, mas com uma vida radicada na Bahia desde os anos de 1970), entre outros. Pesa a favor de todos uma já larga experiência política e administrativa, um trunfo do Governo Lula de 2023 em relação ao que assumiu em 2003, quando ainda eram poucos ministros e ministras petistas e aliados à esquerda a terem governados Estados, por exemplo.

Sem dúvida o estigma de ‘ser nordestino’ incidirá sobre interpretações fascistas e da direita acerca dos atos e ações de Lula e da parte “nordestina” de seu Ministério. Esta não verá colegas seus serem cobrados por um suposto  ‘mal de origem’ (talvez, exceto Sônia Guajajara, indígena), assim como aos brancos brasileiros à direita não se cobram nem se sentem responsabilizados pelos efeitos deletérios da branquitude.

Jamais um Governo assumiu com tanta diversidade regional, racial e de gênero, pelo que também será combatido como nunca. Mas é um governo que tem à frente  Lula, que é também um paradoxo: poucos como ele e sua trajetória política e de vida representam o potencial de interação e integração. Demostrar, na prática, as possibilidades de conciliação nacional será um desafio permanente.

 

Túlio Muniz. Historiador (Graduação e Mestrado pela Universidade Federal do Ceará),  Doutor na Área de Sociologia/Pós-Colonialismo e Cidadania Global pelo Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia (CES-FEUC) da Universidade de Coimbra. É Professor Adjunto na Faculdade de Educação (FACED-UFC). Também é Jornalista Profissional.


 Publicado em https://jornalggn.com.br/opiniao/governo-lula-e-a-reinvencao-do-nordeste-por-tulio-muniz/



domingo, 22 de julho de 2018

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

A mídia brasileira e o “discurso africanista” dos “especialistas".

A mídia brasileira e o “discurso africanista” dos “especialistas.
Em 18 de Janeiro de 2015, no jornal Folha de S. Paulo, Jânio de Freitas  criticou   o artigo neocolonial de Ricardo Bonalume Neto, publicado dois dias antes no mesmo jornal. Jânio não deixou passar desapercebida a estupidez tamanha proferida por Bonalume: “‘Os jovens países [da África] até deveriam agradecer aos 'opressores' [europeus] por coisas que nunca tinham visto’ . Pois é, ainda um defensor do colonialismo genocida na África, e entre os que publicam coisas na Folha como gente da casa”, destacou Jânio. Bonalume ecoa a ideologia anunciada ainda no século XIX por Hegel, que em seu texto “Lições sobre a História da Filosofia” (ou  “Filosofia da História”, dependendo da tradução), sustentou, no início do séc. XIX,  que a África era composta por sociedades sem história.
Ainda pior, Bonalume (e seus editores) perpetuam ideologias como as proferidas pelos ditadores portugueses Antonio Salazar e Marcelo Caetano, conforme destacou  Valentim Alexandre (em “A África no imaginário político português - séculos XIX-XX”, Penelope, 15, Lisboa, 39-52, 1995): Em meu livro "O Ouro do Mar" (Editora Annablume, 2014,  na pg. 104), recorri a Alexandre  para criticar discursos como os de Bonalume: "Anacronismo autêntico, reproduzindo, por exemplo, as concepções de Salazar (para quem a África seria tributária do colonialismo, a quem deveria 'o contato com a civilização cujos segredos lhes desvendou e colocou a seu dispor'), e de Marcelo Caetano, para quem os africanos não souberam 'valorizar sozinhos os territórios que habitam há milénios, não se lhes deve nenhuma invenção útil, nenhuma descoberta técnica aproveitável, nenhuma conquista que conte na evolução da humanidade, nada que se pareça ao esforço desenvolvido nos domínios da Cultura e da Técnica pelos europeus ou mesmo pelos asiáticos' ".
O texto completo de Bonalume é ainda mais complexo e errático. Para não restar dúvidas, pode ser lido em  http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/204241-academicos-mais-uma-vez-atribuem-ao-colonialismo-europeu-caso-de-barbarie.shtml .
Ocorre que tanto a mídia brasileira quanto o discurso neocolonialista europeu mantêm a interpretação hegeliana acerca de África, no que foi emblemático o célebre discurso do então presidente francês, Nicola Sarkozy, na aula inaugural da universidade de Dakar, Senegal, em 2008. Na ocasião, Sarko disse:
“A colonização não é responsável por todas as dificuldades actuais de África. Não é responsável pelas guerras sangrentas que travam os Africanos entre eles. Não é responsável pelos genocídios. Não é responsável pelos ditadores. Não é responsável pelo fanatismo. Não é responsável pela corrupção, pela prevaricação. Não é responsável pelos desperdícios e pela poluição.  A colonização foi um grande erro que destruiu junto do colonizado a estima por si próprio e fez nascer no seu coração este ódio por si que desemboca sempre no ódio para com os outros. O drama de África é que o homem africano não entrou suficientemente na História. O camponês africano, que há milénios vive com as estações, cujo ideal de vida é estar em harmonia com a natureza, só conhece o eterno recomeço do tempo ritmado pela repetição sem fim dos mesmos gestos e das mesmas palavras. Neste imaginário onde tudo recomeça sempre, não há lugar nem para a aventura humana, nem para a ideia de progresso. Neste universo onde a natureza comanda tudo, o homem escapa à angústia da História que obceca o homem moderno, mas permanece imóvel no meio de uma ordem imutável onde tudo parece estar escrito de antemão. Nunca o homem se transpõe para o futuro. Nunca lhe vem à ideia sair da repetição para inventar um destino para si. O problema de África, e permitam a um amigo de África dizê-lo, está aqui. O desafio de África é entrar mais na História. É ir buscar nela a energia, a força, a vontade de ouvir e de esposar a sua própria História.  O problema de África é que ela vive demais o presente na nostalgia do paraíso perdido da infância”[1] .
É o que Schurmans chama de “discurso africanista”, o qual “continua a enclaustrar o preto (nègre ou nigger, muda a língua permanece o insulto) na sua pobre e triste representação”.
Exemplo recente do “discurso africanista” da mídia brasileira: a epidemia de ebola na África Ocidental no segundo semestre de 2014. Em muitos meios de comunicação, sobretudo a TV aberta, se destacava que um dos países mais atingidos era “a Guiné”, sem localizar que se tratava da Guiné Konacry, não da Guiné Bissau, com a qual o Brasil mantém relações estreitas (sobretudo com a presença, no Ceará a na Bahia, de cerca de mil estudantes guineenses nos campus da UNILAB). As diferenciações, quando ocorreram, foram menos por iniciativa da mídia do que pela de expertos (ver por exemplo o artigo importante do historiador Américo Souza em http://www.opovo.com.br/app/opovo/opiniao/2014/10/25/noticiasjornalopiniao,3337052/doenca-deles-ignorancia-nossa.shtml). A epidemia de ebola, graças à cobertura superficial da mídia, é presente imaginário nacional como “doença africana”, o que não é correto, pois se circunscreveu a alguns países da África Ocidental, muitos deles erradicaram a epidemia (Mali, Nigéria, etc), e muitos sequer registraram casos (como sucedeu na própria Guiné Bissau).
Cabe entender porque a mídia brasileira, dá azo a tais afirmações, circunscrevendo análises e a abordagens sobre a África contemporânea no espectro do “atraso” e da “barbárie”, o que causa problemas hoje na integração Sul-Sul. E cabe, sobretudo, combater discurso de ‘especialistas’ como Bonalume.

Noam Chomsky, em “A Manipulação dos Meios de comunicação. Os efeitos extraordinários da propaganda”, atribui  o discurso de poder presente nos meios de comunicação atualmente,  como componente de  “classes educadas”, forjando  “consentimentos espontâneos” (Natrajan)[2] do grande público, com o propósito de atender aos interesses dominantes. São os “especialistas” os responsáveis pela “fabricação de consentimentos” (Chomsky) a serem veiculados pelos meios de comunicação para determinar a maneira de agir de determinado contextos sociais. Aos “especialistas” cabe a fabricação de entretenimento, de “ilusões necessárias e ultrassimplistas”. Outrossim, a nosotros, jornalistas e intelectuais e acadêmicos[3] contra-hegemônicos, cabe o bom combate ao pensamento único de tantos e tantos Bonalumes – diz ele em determinado trecho de seu artigo na Folha: “E muitos dos ‘acadêmicos’ dando declarações são, infelizmente, brasileiros (o que claramente revela a decadência da universidade no país na área de humanidades). Eles não pensam? A ideologia turvou o pouco cérebro que ainda resta? Nenhum repórter consegue achar um professor universitário sensato?”.

Os “especialistas” crescentemente ocupam, na mídia brasileira, o lugar dos intelectuais. Estes defrontam-se com o desafio de nem se transmutar em “especialistas” e nem se omitir de ocupar espaço nos meios de comunicação. Como fazê-lo? Talvez Edward Said nos auxilie: 
Devem ser os intelectuais a questionar o nacionalismo patriótico, o pensamento corporativo e um sentido de privilégio de classe, de raça ou de género. A universalidade significa correr o risco de ir para além das certezas fáceis que nos são fornecidas pelas nossas circunstâncias, pela língua e pela nacionalidade, que tão frequentemente nos protegem da realidade dos outros.  Há o perigo de a figura ou imagem do intelectual desaparecer num mar de pormenores, e de o intelectual se transformar em apenas mais um profissional ou num número de uma tendência social. O intelectual é um indivíduo com um papel público específico na sociedade, que não pode ser reduzido simplesmente a um profissional sem rosto, um membro competente de uma classe que apenas trata da sua vida[4].

Assim, talvez, se ampliem as reflexões sobre contextos complexos da contemporaneidade, extrapolando opiniões tanto largas quanto rasas como a de determinados “especialistas”.





Túlio Muniz
Jornalista, Historiador e Sociólogo. Professor da UNILAB. tulio@unilab.edu.br

 



[1] Ver Schurmans, Fabrice (2008), “De Hannah Arendt a Nicolas Sarkozy: leitura poscolonial do discurso africanista”, in Martins, Catarina; Matias, Marisa; Peixoto, Paulo; Pereira, Tiago Santos e Ribeiro, Margarida Calafate (2008, orgs.), Novos Mapas para as Ciências Sociais e Humanas: artigos pré-Colóquio, e-Cadernos, Coimbra, CES, pgs. 10-11-12.

[2] Natrajan, Balmurli (2003), “Masking and Veiling Protests. Culture and Ideology”, in Representing Globalization”, Dheli/London, Cultural Dynamics, Vol.15 (2), 213-235
[3]O título do artigo de Bonalulme é “'Acadêmicos' mais uma vez atribuem ao colonialismo europeu caso de barbárie”.
[4] Said, Edward W. (2000), Representações do Intelectual. As Palestras de Reith de 1993, Lisboa, Edições Colibri, pgs. 16-25- 28.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Atualizações acadêmicas: questões fora de foco

Atualizações acadêmicas: questões fora de foco

Em meio a uma atribulada transição para início de novo governo, em dezembro , passa despercebida, nos meios de comunicação, a tramitação em regime de prioridade do Projeto de Lei 7841/14, na Câmara dos Deputados. Já analisado pelo Senado, o PL 7841/14 visa corrigir o que talvez seja uma das mais graves distorções no ensino superior brasileiro diante do cenário internacional. O PL 7481/14 pode por fim à exigência de validação e reconhecimento de diplomas estrangeiros pelas universidades brasileiras, pelos menos nos termos atuais. Trata-se de um dos últimos feudos acadêmicos ainda de pé, posto que tal exigência não se dá por parte de outros países americanos, europeus e africanos, nos quais os diplomas brasileiros de graduação e pós-graduação são aceitos sem passar pelo crivo um tanto obsoleto que por cá ainda vigora. Segundo publicado no site da Câmara em 02 de Dezembro, o PL 7481 prevê que “os diplomas e títulos estrangeiros de graduação somente poderão ser reconhecidos por universidade brasileira pública. Já os diplomas de pós-graduação poderão ser reconhecidos também por universidades privadas. Para tanto, é exigido que os cursos sejam similares ou superiores aos realizados no País. Todos os anos será divulgada uma lista anual com a relação de cursos, instituições e programas de ensino estrangeiros qualificados como de excelência. A proposta prevê ainda que o MEC dê publicidade aos critérios e procedimentos usados mo reconhecimento de diplomas de instituições de excelência”.
Para além de agilizar o processo, será dada maior transparência. Falta saber se, aprovado, o PL 7481 vai também derrubar outra obsolescência: o valor cobrado para abrir o processo de validação. Caso um mestre ou doutor, brasileiro o não, entre com o pedido de validação de seu diploma em instituição brasileira, tem que pagar até R$ 1.500,00 numa pública ou até R$ 8.000,00 numa privada, ao menos que esteja inscrito em grupo de pesquisa da instituição. Para além desse valor extorsivo, um candidato sem relações com pesquisadores da instituição a qual recorre pode ficar a esperar meses, muitas vezes mais de um ano, para que o programa de pós-graduação acionado monte uma banca de avaliadores e chegue a um parecer final.
A norma atual é tão bizarra e paradoxal que permite a um candidato pedir a validação em qualquer sub-área da sua grande área de conhecimento. Por exemplo, um zootécnico pode pedir validação na veterinária (ambas da grande área Ciências Agrárias), ou um doutor ou mestre em História pode pedir a validação na Sociologia (ambas das Ciências Humanas). E podem ter seus diplomas validados em uma terceira sub-área, desde que esteja dentro da grande área de conhecimento.
A Câmara dos Deputados pode corrigir tais distorções, caberá esperar que o Governo não vete o que for aprovado de avanço. O assunto é tabu dentro do MEC. Tanto que, desde 2010, adormece na Comissão de Constituição e Justiça projeto de lei 7723, de autoria do deputado federal José Aírton Cirilo (PT-CE), que prevê o reconhecimento automático dos diplomas obtidos nas universidades públicas no âmbito da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, a CPLP. Mesmo o deputado sendo do partido do governo, o MEC foi contra ao projeto de lei (ver anexo). À época escrevi dirtamente à Presidência da República, a quem, ainda no governo Lula, sugeri, por carta, regulamentação do tema por decreto (eu também havia sugerido o projeto ao deputado, que encampou a proposta). O apelo foi em vão. Ironicamente, não fosse uma honraria e sim um título para o magistério, o MEC obrigaria ao  próprio Lula  validar, entre tantos outros, o diploma que recebeu este ano em Coimbra, de doutor honoris causa, para que ele fosse válido no Brasil.
O MEC não surpreendeu, pois mantém postura restritiva pautada em erros (preconceitos?) de avaliação da matéria quanto, por exemplo, à questão de reciprocidade, posto que os diplomas brasileiros são aceitos sem grandes restrições na União Europeia (Portugal incluso) e também entre os maiores países da CPLP:
  • Angola: Universidades tem autonomia, e o reconhecimento é praticamente automático. O Regime Acadêmico da Universidade Agostinho Neto, em seu artigo 72, estipula: “Em caso de existirem acordos entre o Estado Angolano com um Estado estrangeiro, entre a Universidade Agostinho Neto com universidades estrangeiras ou nacionais, em matérias de equivalência, o reconhecimento das habilitações requeridas é automático”.
  • Cabo Verde: estabelece convénios para aceitação recíproca dos diplomas. Entretanto, os diplomas de doutorado caboverdianos não são aceitos automaticamente no Brasil.
  • Moçambique: Não há grandes restrições. Tanto que em 2004, “até finais de 2004, 21% do corpo docente activo nas seis universidades privadas em funcionamento em Moçambique eram estrangeiros, contra uma fasquia de seis por cento em exercício nas quatro públicas” (Correio da Manhã, Maputo, 2006, in http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2006/06/page/7/).

Por cá, em Redenção, no Ceará, e em São Francisco do Conde, na Bahia, está prestes a completar cinco anos em atividade a Universidade da Integração Luso Afro Brasileira, UNILAB, pública, criada por Lula para ofertar vagas a estudantes brasileiros, africanos e lusos. Entretanto, pela lei brasileira, os professores formados no exterior, sejam brasileiros ou estrangeiros, necessitam da validação do diploma para nela trabalharem.  
O segundo governo de Dilma Roussef iniciaria bem endossando uma eventual aprovação e aprimorando-a, bem como pode dirigir seu olhar a outro problema que brasileiros que estudam no exterior enfrentam ao retornar. Aqueles que se formam fora e também têm filhos nascidos lá, além de chegarem aqui e enfrentar tortuosos processos de validação de seus diplomas têm que passar por cartório local para retirar nova certidão de nascimento de seus filhos. Isso apesar de o governo Lula ter estabelecido que os cartórios de consulados emitissem a certidão, como qualquer cartório em território nacional. O argumento, um tanto corporativista, dos cartórios daqui é de que é preciso traduzir a certidão do país onde nasceu a criança, não bastaria a certidão de nascimento do cartório do consulado, redigida em bom português. Ocorre que os cartórios locais cobram cerca de R$ 500,00 para cada tradução, ainda que a criança tenha nascido em Portugal, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guinné-Bissau, São Tomé e Príncipe ou Timor Leste, os membros da CPLP além da recém ingressante Guinné-Equatorial.
As barreiras são muitas, vezes imaginárias, mas criadas e mantidas pela engenhosidade da máquina burocrática, corporativa e nacionalista que teima em se manter ativa no Brasil. Nos casos narrados acima, com a negligência da grande (grande?) mídia nacional, ao se omitir de dar relevo a tais temas.

Túlio Muniz
Jornalista, Historiador e Sociólogo. Professor da UNILAB.



terça-feira, 11 de março de 2014

Artigo meu, na atualização semanal do Observatório da Imprensa de hoje.

MÍDIA & CARNAVAL

‘Quanto riso, oh, quanta alegria...’

Por Túlio Muniz em 11/03/2014 na edição 789
De um dia para o outro, as manchetes de O Povo (Fortaleza, CE) reorganizam o cenário social. Quinta feira, 6 de março: “Carnaval mais violento dos últimos dez anos”. Um dia antes, na quarta-feira de cinzas, a manchete ufanista foi “A folia resistiu”, por conta do sucesso de público e alegria dos blocos. Entretanto, outros olhares são necessários.
Os blocos se limitaram a áreas centrais da cidade (Benfica, Aldeota, Praia de Iracema). As imagens nos jornais e redes sociais evidenciam a predominância de público do tipo “classe média”. E é provável que boa parte deste permaneceu na cidade por conta de os salários de funcionários federais e trabalhadores no mercado privado terem saído somente depois do carnaval.
Na periferia, nada de festa estruturada. Não por acaso, foi onde se concentrou o maior número de mortes. Os dados da segurança que vieram a público não especificam a cor da pele dos mortos e não seria surpreendente se a maioria for de negros, raros entre os “foliões”, tipo social que emerge uma vez ao ano plasmando uma nação de “iguais”.
Vale comparar Ceará e Bahia, com índice de criminalidade díspare. Salvador: 600 mil turistas, dois assassinatos. Fortaleza: 95 mil turistas, 45 assassinatos. A festa tem potencial de “alegria revolucionária” (Daniel Lins) somente quando promove alterações profundas no contexto de uma sociedade. Senão, evidencia o apartheid social de uma cidade.
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Túlio Muniz é sociólogo, historiador, jornalista e professor visitante da Unilab

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Caros, no link abaixo, artigo meu publicado neste Novembro na BRASILIANA, revista digital da Universidade de Aarhus, Dinamarca.  
http://ojs.statsbiblioteket.dk/index.php/bras/article/view/8029/13321